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03/06/2004
“Basta de Impunidade” - Publicado no Jornal Zero Hora

No último domingo, quando fui dormir pensei: “Que bom ser hoje o último dia do mês de maio”. Para qualquer mãe que perdeu um filho, este mês é bastante complicado e para mim são três datas: o aniversário de meu filho, 13 de maio, o Dia das Mães e o dia 20, data que se pudesse, arrancaria do calendário, dia em que o Thiago se foi.

Acordamos à uma e meia da manhã, eu, Régis e meus filhos, com um estrondo. Descemos as escadas meio tontos sem entender o que tinha acontecido. Saímos para o jardim em frente de casa e vimos que os cachorros haviam fugido, o muro estava no chão. Na calçada em frente a nossa casa um carro com as rodas viradas e nossos vizinhos dizendo... ele está bem...
O jovem ao nos ver disse: “Professor, eu acompanho o seu trabalho”. Inúmeras vezes ele disse estar envergonhado. Envergonhados ficamos nós, envergonhada estou eu, pois quando a Brigada Militar chegou o rapaz já havia retirado três garrafas do interior do carro (que permanecia virado). Era visível o estado de embriaguez e cheiro de bebida do jovem. A polícia entregou a carteira de habilitação do rapaz e o liberou, pois estava tudo em ordem com a documentação.
 
Infelizmente só posso dizer que me envergonho de viver, de morar num país onde as leis são feitas para não serem cumpridas.
Vejam bem, a Brigada Militar é também vítima desta nossa sociedade onde políticos fazem leis que na prática não funcionam. De que adianta um código de trânsito rigoroso se tem um artigo no Código Civil, dizendo que ninguém é obrigado a produzir prova contra si mesmo. Mas, afinal, dirigir embriagado não é falta gravíssima? Como provar se ninguém é obrigado a fazer o teste do bafômetro?
Isto até parece piada, mas não é, somos o país da impunidade, das leis que se anulam pelas próprias leis. Enquanto isso milhares de vidas são perdidas. Este jovem que milagrosamente sobreviveu aprendeu o quê com sua imprudência? Que no seu país dirigir embriagado não dá nada...
 
Desculpe o desabafo, pois estou escrevendo e pensando nestes oito anos, desde que iniciei esta caminhada com a Vida Urgente. Meus vizinhos o mandaram pegar um táxi (na segunda-feira fiquei sabendo que ele já havia respondido processo por homicídio culposo, por acidente de trânsito e outros dois por embriaguez ao volante). E eu aqui pensando: que inveja, como eu queria ter tido uma chance... Meu filho se foi numa carona sem volta na primeira vez que sofreu um acidente de trânsito.
 
E, apesar de me sentir sem pátria, sem apoio do meu Estado, da minha cidade, das autoridades, do meu país... O sentimento que me invade em vez de ser só de indignação é de intensificar a luta contra a violência e a impunidade.
Ao final de mais um mês de maio, sei que devo dizer não à força da morte, que é preciso clamar pela vida. Urgentemente.
 
Diza Gonzaga - Presidente da Fundação Thiago Moraes de Gonzaga