comunicação > artigos > ver na íntegra
30/06/1996
"Jovens demais para morrer" - Publicado no Jornal Zero Hora
Para deter a velocidade e a imprudência dos adolescentes são necessárias duas coisas: lei e educação
 
Histórias de pais que perderam seus filhos não são casos inéditos na literatura. Para citar um exemplo bem recente, a chilena Isabel Allende fincou o pé na lista dos mais vendidos com o extraordinário Paula, onde descreve a doença e a morte de sua filha de 28 anos, num relato comovente.
 
Diza e Régis Gonzaga não tem o dom de Isabel Allende. Aliás, nem escritores são. Mas estão colocando nas prateleiras das livrarias um livro que trata do mesmo assunto: a morte de um filho, no caso a de Thiago Gonzaga, que aos 18 anos foi vítima de um acidente automobilístico, no ano passado, em Porto Alegre. Diza e Régis não esperam com isso entrar na lista dos mais vendidos. A intenção é outra, mil vezes mais importante: a de conscientizar pais, educadores, políticos e a sociedade em geral de que um carro pode ser uma arma nas mãos de um adolescente, e de que a prevenção de acidentes merece tanta atenção quanto a prevenção do consumo de drogas e da AIDS.
 
No livro, Diza, a mãe de Thiago, relata episódios da infância e da adolescência de seu filho. É de uma maneira, suponho, de administrar a dor e de repartir uma vivência comum a todas as mães, que nunca esperam que uma tragédia vá bater-lhes à porta. Pois bateu na porta dos Gonzaga, bateu na porta de diversas outras famílias e vai bater em muitas outras ainda, se não dermos um basta na condescendência geral.
 
Para deter a velocidade e a imprudência são necessárias duas coisas: lei e educação. Os pais não podem colocar de castigo ou dar umas palmadas em jovens que correm demais, que bebem antes de dirigir ou que não usam o cinto de segurança. A punição tem que vir da legislação. Só quando os adolescentes virem um colega atrás das grades ou prestando serviços gratuitos à comunidade, é que cairão na real e tirarão o pé do acelerador.
A outra parcela de vigilância cabe aos pais, que devem negar a chave do carro a um garoto ou garota sem habilitação. O papel de carrasco é horrível, mas alguém tem que desempenhá-lo. É mais difícil dizer não do que sim, mas não se espera outra coisa de um adulto responsável. Seu filho tem 16 anos, é maravilhoso, estudioso e só quer um pouquinho de aventura? Mande-o para a Disney, para o Beto Carrero World, para os estúdios cinematográficos de Los Angeles, onde se pode fazer, entre outras coisas, uma viagem virtual a 300 quilômetros por hora. Só não o deixa atrás de um volante de verdade. Por mais que você confie, lembre-se de que ele é jovem e, como tal, acha que nada de ruim pode lhe acontecer.
 
Outra coisa: jovens temem ser chamados de caretas. Se a turma incentivar um pega ou uma cervejada no carro mesmo, enquanto se deslocam de um lugar para o outro, ninguém com menos de 18 anos vai dizer: “Pára tudo que eu quero descer”. É um momento da vida em que a gente precisa da aprovação dos amigos e, e para não virar um deserdado da noite, acaba topando qualquer parada. É aí que mora o perigo. Alguém precisa acordar esta garotada e dizer que corajoso é aquele que é autêntico, que diz o que pensa, que vai contra a corrente se for preciso, e não aquele que embarca em qualquer onda, mesmo se borrando de medo. Quem vai ensinar isso para eles? Nós, caretas.
 
O livro Thiago Gonzaga, histórias de Uma Vida Urgente não vai conseguir, sozinho, que os adolescentes (incluindo aí alguns marmanjos que não crescem nunca) parem de voar pelas avenidas da cidade como se fossem imortais, mas levanta a discussão, que é o que interessa. O pai de Thiago, em texto no início do livro, cobra dos senadores a aprovação do novo Código de Trânsito, exigindo penalidades mais pesadas para os infratores, e insiste na criação urgente da disciplina Educação para o Trânsito e sua inserção nos currículos escolares. Régis Gonzaga é professor e sabe da influência que todo educador tem sobre seus alunos. E, como pai, está generosamente transmitindo sua cruel experiência para que nós não precisemos vivenciar, como ele e sua família, a única dor que não cessa.
 
Martha Medeiros – escritora