A mobilidade urbana e todos os processos que a envolvem estão em constante evolução e desenvolvimento. O desdobre mais atual e evidente em nossa capital foi a chegada dos serviços de compartilhamento de patinetes elétricos. Os patinetes são práticos, econômicos (apesar de relativamente caros para os usuários que os alugam), são uma opção sustentável e são divertidos de utilizar. São, portanto, uma alternativa interessante para o que se tem chamado de micromobilidade ou como solução de “last milie”, ou seja, o último trecho do trajeto (a caminhada entre o ponto de ônibus e o destino final, por exemplo).
Ao redor do globo, as cidades ainda estão tentando entender a melhor forma de integrar os patinetes aos seus sistemas de transporte, o que tem sido feito de forma reativa. As estruturas viárias e normas de convívio atuais não foram concebidas com elementos como patinetes, monociclos ou skates elétricos em mente, e agora nos vemos diante desta inovação que nos desafia a pensar e agir diferentemente. Urgem, pois, um olhar e um agir sistêmicos por parte do poder público, visando a integração dos diferentes modais a fim de reduzir os impactos negativos e ampliar os positivos.
Ao mesmo tempo em que reconhecemos o valor da multimodalidade na construção de um modelo de transporte urbano moderno e eficiente, nos parece também evidente que novos atores do trânsito devam ser regulamentados, esclarecendo a todos as possibilidades de uso seguro de cada modal. No caso específico dos patinetes, tal regramento tem também um papel pedagógico, contribuindo para o entendimento da população de que, ao migrarmos o status do patinete de um instrumento de mero divertimento para uma solução de mobilidade urbana, devemos adotar um novo comportamento. Isto é, um comportamento mais prudente e condizente com as responsabilidades que o trânsito demanda. Nesse sentido, é fundamental que se destaque a importância da educação pela segurança e a prevenção da acidentalidade, que devem vir em primeiro lugar.
Para tanto, a Fundação Thiago de Moraes Gonzaga, baseada em uma trajetória de mais de 23 anos de trabalho contínuo e incansável em defesa de um trânsito mais humano e seguro, junto ao Instituto de Arquitetos do Brasil – Departamento do Rio Grande do Sul, renomada instituição dedicada ao aprimoramento de nossas cidades, sugere que alguns pontos sejam tratados de forma prioritária ao se regulamentar a utilização desta alternativa de transporte: espaços apropriados para utilização, velocidades adequadas, uso do capacete e modelos de estação, física ou não, entre outros.
No que tange ao espaço a ser utilizado para a locomoção pelos patinetes elétricos, entende-se que o ideal seja através das ciclovias e ciclofaixas, de forma a proteger os pedestres nas calçadas e resguardar os próprios usuários do patinete de um trânsito hostil à sua presença entre os automóveis. Ainda que a resolução nº 465/2013 do CONTRAN indique o uso das calçadas em velocidades de até 6 km/hora, não há possibilidade de atendimento a tal regra, uma vez que os patinetes rapidamente ultrapassam essa marca e não existe atualmente mecanismo de fiscalização viável para a norma. Sendo assim, esta alternativa não nos parece prudente – mesmo em nossa capital, uma única unidade de atendimento tem registrado entre 6 e 10 casos de acidentes por semana, muitos deles ocorridos nas calçadas. A prioridade para a utilização das calçadas deve manter-se com o pedestre e sua segurança não fica garantida ao compartilhar esse espaço com os patinetes. Partindo desse princípio, temos os exemplos do Peru e da cidade de São Paulo, que proibiram a circulação de patinetes em calçadas, ou Montevidéu que também a discute. Da mesma forma, iniciativas como a da própria capital paulista de autorizar o uso da pista para patinetes em locais com limite de velocidade de até 40 km/hora podem ser melhor estudadas. Para Porto Alegre, poder-se-ia aplicar o mesmo critério em ruas de até 40 km/hora e com indicações de ciclo-faixas, por exemplo. Uma consideração já levantada em meio a esta ampla discussão é a sugestão de cobrança por distância percorrida, e não por tempo, desestimulando um comportamento imprudente com excesso de velocidade.
No que tange à disponibilização no sistema dockless, a Fundação e o IAB-RS sugerem considerar a existência de pontos específicos georreferenciados, ainda que sem estações físicas. Importa destacar, contudo, que as calçadas devem permanecer desobstruídas, tendo os pedestres prioridade, especialmente o idoso e a pessoa com deficiência ou mobilidade reduzida, conforme indica a lei complementar nº 740/2014 – Estatuto do Pedestre. Dessa forma, os usuários têm de ser instruídos a depositar os equipamentos em locais que não comprometam a circulação após o uso, sendo a empresa responsável por recolher prontamente os patinetes colocados em local inapropriado, evitando casos extremos de obstrução de calçadas como os verificados em uma série de cidades chinesas.
Novamente, ainda que não seja obrigatório pelas regras nacionais atuais, o uso do capacete deve ser estimulado através de todos os meios disponíveis! Trata-se de um equipamento de primeira necessidade para o uso seguro dos patinetes. Da mesma forma, ressalta-se que em nenhum caso os patinetes devem ser utilizados por mais de uma pessoa ao mesmo tempo, ou por usuários com idade inferior à idade mínima determinada. Por último, é indispensável destacar que, assim como qualquer outro veículo, os patinetes nunca devem ser conduzidos por usuários que tenham consumido bebidas alcoólicas ou qualquer substância que altere suas capacidades.
Em suma, sabe-se que, sendo uma novidade, ainda não temos experiências consagradas da utilização bem-sucedida dos patinetes elétricos pelo mundo, da mesma forma que bases de dados sobre os mesmos ainda estão se formando. Como nos indica o estudo “Novos Sistemas de Mobilidade Pessoal e seus Problemas Associados a Segurança de Trânsito” realizado pela Fundação Mapfre (sobre o caso da Espanha, mas aplicável a outras realidades), o uso de novos modelos de mobilidade individual é hoje uma realidade mundial, em reação às dificuldades do trânsito atual, como congestionamentos e poluição do ar. Contudo, seu grau de expansão e penetração nos sistemas de transporte urbano dependerá dos regramentos adotados. Sendo assim, parece sensato que tanto esta posição, quanto as normas legais sejam revisadas em breve. A Fundação Thiago de Moraes Gonzaga e o IAB-RS entendem as inovações em mobilidade como algo inevitável e veem neste caso uma alternativa potencialmente interessante como solução de mobilidade urbana, contanto que os regramentos que o disciplinem tenham como norte a segurança e a preservação da Vida!
Regis Gonzaga
Fundação Thiago de Moraes Gonzaga
Rafael Pavan dos Passos
Instituto dos Arquitetos do Brasil – Departamento RS